Silêncio cúmplice

Em pelo menos 90% das vezes que algum caso de relacionamento abusivo toma grandes proporções, os primeiros comentários que eu vejo dizem respeito à vítima. Nossa, como ela aceita? Parece que gosta de ser tratada assim. Ah, se ele está errado ela também está, ela escolheu continuar com ele. Ih, essa daí também não vale nada, os dois são farinha do mesmo saco. Se ela tivesse vergonha na cara já teria caído fora dessa relação.

Engraçado como ninguém pergunta por que ele age dessa forma, por que alguém se sente no direito de tratar outra pessoa como objeto de posse, por que certos homens aprenderam que podem dominar mulheres e impor sua palavra sobre as delas, por que em pleno 2017 o machismo ainda define posições hierárquicas dentro das relações afetivas.

Eu usei os termos “ele” e “ela” porque são os que cabem na situação que eu vou comentar, mas vale lembrar que o abuso pode acontecer dentro de todo tipo de relacionamento, envolvendo pessoas de qualquer gênero ou orientação sexual. Ele pode, inclusive, estar em relações não monogâmicas.

Mas vamos ao ponto: BBB 17. Eu não assisto ao programa (também não tenho nenhuma crítica a quem acompanha e gosta), por isso não pensei que fosse escrever sobre isso um dia. Na verdade, o que eu quero abordar não é o reality show em si ou como eles selecionam tanta gente medíocre pra estar ali, e sim o que estamos nos tornando enquanto sociedade.

Nesta última semana, a internet ferveu depois das últimas brigas do casal Marcos e Emily dentro da casa. Em todas as redes sociais, só se lia sobre isso e todo mundo parecia revoltado. Quando eu resolvi abrir uma notícia e assistir aos vídeos, fiquei paralisada. Era tão surreal que eu não queria acreditar que isso estava sendo televisionado e ninguém fazia nada. Gritos, intimidação, dedo na cara, coerção e até agressão física. Teve de tudo e estava longe de ser a primeira vez. Eu, olhando de fora, senti pavor.

No dia seguinte, Marcos voltou do paredão. A outra candidata foi eliminada com 77% dos votos. Quando a justiça finalmente interveio e expulsou Marcos do programa, boa parte do público se indignou e achou a decisão injusta. E é aí que eu me preocupo. Cada vez que eu vejo coisas assim acontecendo, chego à conclusão de que as pessoas só querem o show a qualquer custo, não importa o quão inescrupuloso ele seja ou o quanto pode machucar alguém. É melhor se esconder atrás do argumento de que “ela também não presta” pra continuar financiando a violência escancarada na TV aberta. É mais fácil dizer que “faz parte do jogo” do que reconhecer que esse tipo de abuso é REAL e assombra mulheres em todos os cantos. São estes traços de crueldade, egoísmo e apatia que fazem de nós uma sociedade doente. Doente e cúmplice. Não seja mais um.

Ah, e se você pensa que Emily não parecia estar incomodada, que não se sentia vítima, eu vou te contar: é disso que se trata o relacionamento abusivo.

Vídeo elucidativo: https://www.youtube.com/watch?v=I-3ocjJTPHg

4 thoughts on “Silêncio cúmplice”

  1. Li algumas vezes este texto e confesso, envergonhada, que me vi nele em algumas situações. Sim, por muitas vezes julguei a vítima dizendo exatamente isso” ela está porque quer” . Somos cruéis muitas vezes, colocamos vinagre na ferida do outro até sem perceber. Percebo todos os dias o quanto preciso me tornar um ser humano melhor.Obrigada por mais este texto😊😍😍

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